Animal é onívoro e tem papel importante na natureza - Fotos: Ricardo Boulhosa/IPC/AES/CENAP/Direitos reservados
Animal é o homenageado na cédula de R$ 200
Em alta na visibilidade pública por estampar a nova nota
de R$ 200, o lobo-guará, segundo os biólogos, precisa ser reconhecido também,
cada vez mais, pelos benefícios que pode trazer para o setor produtivo rural.
Esse é um valor ainda pouco contabilizado, conforme os especialistas avaliam.
Tanto que é um animal que está na categoria vulnerável em relação à elevada
ameaça de extinção. Isso ocorre principalmente pela perda do habitat
primordial, o Cerrado, com a ampliação das áreas urbanas e também das plantações.
Estudiosos argumentam que não pode haver dois lados nas
discussões sobre conservação da natureza: um embate entre meio ambiente e
economia. Projetos colocados em prática com o lobo-guará mostram que é possível
a convivência adequada entre preservação e agroindústria. Conscientização e
ações equilibradas fazem bem para as plantações, para o animal a para os
negócios.
"O que a gente precisa e está buscando nos projetos
é construir as pontes entre os diversos interesses, o econômico e o de
conservação. É necessário mostrar para os setores de produção que não existem
dois lados. Existe um lado só. Se eles trabalharem de forma sustentável na
produção, eles vão ganhar e a fauna também", explica o biólogo Rogério
Cunha de Paula. Ele pesquisa o lobo-guará há quase 25 anos e, por isso, um dos
maiores conhecedores do animal na América Latina. Cunha atua como analista
ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio),
no Centro Nacional de Pesquisas para Conservação dos Predadores Naturais
(Cenap).
Para ele, o desafio presente é fazer com que o setor
econômico entenda a necessidade e seja parceiro. Um fato é que a velocidade da
degradação do habitat é bem mais rápida do que a de recomposição da espécie.
"Com o tempo, ele vai desaparecer de vários lugares. Quando a gente fala
da descaracterização do Cerrado, ambiente principal do animal, temos que é uma
realidade muito preocupante. Mas não adianta falar apenas que o animal é
importante e por isso não é possível converter áreas do bioma em plantações,
sendo que sabemos que o forte do nosso PIB [Produto Interno Bruto] é a
exportação de produtos agrícolas."
Entre os projetos de conservação, está o Lobos da
Canastra, que existe desde 2004, no Parque Nacional da Serra na Canastra, em
Minas Gerais. Segundo Rogério Cunha, trata-se do espaço de Cerrado com a maior
concentração de animais na América Latina (aproximadamente 200). Ele explica
que o local é apropriado para a conservação em vista das características
nativas do lugar e por ser ocupada por pequenos produtores rurais, em
diferentes atividades. "Quanto mais diversificado, melhor para o
animal". destaca.
O desafio é o de conscientizar esses empreendedores de
que o lobo (que é onívoro, alimenta-se de tudo) poderia comer pequenos animais,
como ratos e cobras, por exemplo, que causam doenças em outros animais das
propriedades. O Lobos da Canastra envolveu dez instituições lideradas pelo
Instituto Pró-Carnívoros. No contexto da pesquisa com o lobo-guará, o projeto
cuida de informar a comunidade e também motivar a discussão dos problemas e
busca por soluções.
"Fazer parcerias é fundamental. Na Serra da
Canastra, uma das maiores ameaças ao lobo era a caça. Isso porque os animais
comiam as aves dos produtores e isso levava a serem caçados. A gente conseguiu
acabar com essa prática mostrando para as pessoas que as galinhas poderiam ser
presas no galinheiro. Mostramos para as pessoas que os lobos poderiam ser
aliados porque comiam os ratos e as cobras. Convencemos os produtores, mas era
necessário proteger as galinhas. Eles viram que isso poderia dar lucro.
Incluindo atrativo turístico."
Ele defende ainda a "conservação pelo
encantamento", ao associar os produtores aos animais. "É necessário
olhar a vida que há em volta. Seja na Canastra ou em São Paulo, na região de
São José do Rio Pardo, em área de plantação de cana, ou na Bahia, em região de
soja e turística [próximo à cidade de Luis Eduardo Magalhães]. Os produtores
rurais têm grande responsabilidade porque sabem o que pode ser feito na terra."
Para Rogério Cunha, o cidadão comum deve ser informado e, com o tempo, a
sociedade passou a ser mais conscientizada. "Há algum tempo, aparecia o
lobo e os donos da terra davam tiro. Isso reitera a importância da visibilidade
da nota de R$ 200". O biólogo criou, em 2012, ainda o selo Amigo do Lobo,
para empresários que trabalhavam em prol da preservação do animal.
Por GPS
O presidente da Instituição Pró-Carnívoros, o biólogo
Ricardo Pires Boulhosa, concorda que é necessário, sobretudo, estabelecer
conexões com os produtores rurais para informar adequadamente sobre a
importância do lobo-guará. A organização não governamental atua no campo da
pesquisa para conhecer mais sobre o animal desde 1996, com trabalhos pioneiros
com o lobo, para ajudar a proteger o animal. Entre os argumentos utilizados é
que o bicho, considerado resiliente, resistente e não agressivo, demonstra ser
aliado para a produção. Uma das características mais conhecidas é o seu
potencial de semeador.
"Como é onívoro, come de tudo, incluindo frutas, e
anda grande distâncias, acaba defecando e contribuindo com a natureza ao
espalhar as sementes por quilômetros. Dentro da sua dieta, a lobeira [fruta
semelhante a um tomate] está entre as preferidas do lobo". Ao todo,
calcula-se que 73% dos lobos estejam no Brasil, principalmente no Cerrado.
Pampas e Pantanal são outros biomas onde a espécie está mais ameaçada. "Já
tivemos registros também na Mata Atlântica e até Amazônia descaracterizadas.”
O especialista explica que um dos projetos está em
andamento no interior de São Paulo, nas proximidades da Bacia do Rio Pardo
(SP), o Lobos do Pardo."O local que estamos trabalhando hoje não é de
unidade de conservação. Trata-se de uma área de mancha de Cerrado que está
sofrendo alterações. Estamos vendo como o animal utiliza o canavial para caçar
e se proteger. É o primeiro trabalho que é realizado em uma região assim,
totalmente transformada, e podemos comparar com os lobos em unidades de
conservação."
O trabalho tem a parceria de uma empresa geradora de
energia elétrica (AES Tietê) interessada em conhecer o comportamento do lobo na
região de quatro reservatórios. "Precisamos gerar dados para compreender a
realidade onde ele está. É importante manter essas manchas de Cerrado para
proteger. Ao conhecer, podemos trabalhar com o produtor rural para uma ação
mais sustentável. Podemos desenvolver técnicas que minimizem a pressão sobre o
animal", afirma Ricardo Boulhosa. O biólogo acrescenta que há também uma
atenção internacional sobre como os países cuidam do meio ambiente, e essa
imagem é um ativo nas exportações.
Estudo dos hábitos dos animais aprimora estrutura para a preservação - Fernanda Azevedo / Direitos reservados
O projeto mantém lobos monitorados por um colar que
captura informações por 24 horas. As informações chegam via GPS para o
instituto. Todas as movimentações são observadas para entender o uso do
ambiente. "Aqui nós temos uma plantação de cana em que há produção durante
a madrugada. Estamos olhando se isso interfere na saúde do animal." A
ideia é que, com essas informações, os proprietários sejam sensibilizados para
que a colheita, por exemplo, seja mais gradual. As informações são utilizadas
para colaborar com as políticas públicas e também educação ambiental das
comunidades. Identificamos na área pelo menos 22 lobos".
Persuasão
Os especialistas consideram que a escolha do animal para
ilustrar a nota de R$ 200 é positiva para promover mais discussões e
visibilidade. Para o professor de ecologia Eduardo Bessa, da Universidade de
Brasília (UnB), esse simbolismo pode promover mais conhecimento. Até porque o
lobo-guará tem aparecido com frequência em áreas urbanas e também é vítima de
atropelamentos com a expansão da malha rodoviária.
"Temos uma estimativa de 17 mil indivíduos. Mesmo
estando a maior parte no Brasil, há também na Argentina, Paraguai e Uruguai. É
um bicho tímido que come de tudo, inclusive cupim. Mas esse nome de lobo não
tem relação com animais que levam esse nome em outros países. Ele é tranquilo.
Mas os atropelamentos e as caças ainda ameaçam muito a sua existência
principalmente nos Pampas e no Cerrado." O professor defende que a
demarcação de áreas é fundamental para formar corredores de forma que ele possa
migrar de uma região para outra. "Fiscalizar as reservas legais é muito
importante e conscientizar os fazendeiros para manter os espaços de
passagem", afirma o professor.
A escola é espaço fundamental para aumentar o
conhecimento sobre a biodiversidade do Cerrado. O professor de biologia Saulo
Mandel, de ensino secundarista, em Brasília, testemunha que alunos comentam
mais sobre animais de fora do país do que da própria região.
"Por isso é positivo que a nota tenha a imagem de um
animal brasileiro. O caminho de invasão de habitat e os conflitos entre homem e
meio ambiente são as causas dessas perdas. No Cerrado, temos monoculturas e é
necessário que os problemas sejam sanados. Entendo que essa geração atual pode
ser influenciada para se conscientizar." Entre os estudantes, o terreno é
fértil desde que sejam provocados. "Mas podemos insistir mais nesse tema.
O nosso papel de professor é muito desafiador também por causa disso. E devemos
trazer situações do cotidiano para sala de aula."
O biólogo Mateus Sousa, do Zoológico de Brasília, avalia
que os seis lobos-guará que estão no local estão entre os preferidos entre os
visitantes. "São animais que foram resgatados de situações como queimadas
ou que estavam sob risco. Além disso, o zoológico faz o papel de backup porque,
se faltar na natureza, eles podem ajudar a repovoar alguma região. Sem dúvida,
aqui no Centro-Oeste, os casos de atropelamentos são ameaças à espécie. Cada
vez que alguém visita nossa reserva fica mais consciente do que ocorre." O
biólogo explica que, nas visitas, é enfatizado o quanto o lobo é importante na
cadeia alimentar e na proteção das plantações.
Cuidar do lobo gera benefícios para as plantações e
estimula também o ecoturismo. Um projeto coordenado pela ONG Onçafari, há nove
anos, atua pela sensibilização e conservação também dessa espécie. "A
atividade faz com que empregos sejam gerados por causa da proteção ao lobo. As
pessoas passam a entender que a preservação faz muito bem para todos os lados
da história. O que eu gosto do ecoturismo é que as pessoas entendem que vale
muito para a economia da região. A família descobre que pode ter emprego mais
qualificado. Temos histórias em que a renda aumentou muito". afirma o
presidente da entidade, Mário Haberfeld, ex-piloto de automobilismo e apaixonado
pela proteção da vida selvagem.
O projeto monitora atualmente dois lobos com colares:
Nhorinhá e Diadorim, ambos personagens de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães
Rosa, e fornece informações para educação ambiental e produtos culturais,
conscientizando de crianças a produtores rurais. A iniciativa bem-sucedida de
ecoturismo ocorre em uma parceria com uma pousada (Trijunção), em área de
Cerrado na Bahia, próximo à divisa com Goiás e Minas Gerais.
"Nossos guias são zootecnistas, ornitólogos,
engenheiros florestais, agrônomos, veterinários e são eles que contam as
histórias do Cerrado, de sua flora e fauna. O lobo-guará é um dos personagens
importantes da vida animal no Cerrado, a atividade de avistamento é feita com
os guias do Projeto Onçafari que está estudando conosco o comportamento desse
animal, importante e que precisa ser conservado no seu habitat", afirma a
gerente da pousada, Jane Assis.
Para os produtores rurais ou para as crianças de uma
comunidade, o desafio é espalhar as sementes de uma lição de biologia simples:
esse lobo não é nada mau. (via Agência Brasil)
Comentários
Postar um comentário