Mudanças climáticas ameaçam produção global de cacau: novo estudo destaca soluções baseadas na polinização


Conhecido como cabruca, o sistema de produção praticado no sul da Bahia consiste no cultivo de cacaueiros sob o dossel da Mata Atlântica, gerando impactos socioambientais positivos.
AMAP BRAZIL

Pesquisadores do Brasil, Reino Unido, China e Alemanha avaliaram taxas de fertilização das flores do cacaueiro em áreas do sul da Bahia, Gana e Indonésia

        As mudanças climáticas e a perda de biodiversidade ameaçam o futuro do cacau, principal matéria-prima do chocolate. Um novo estudo, publicado neste mês de fevereiro na revista científica Communications Earth & Environment, da Nature Portfolio, sob o título “A oferta global de chocolate é limitada pela baixa polinização e altas temperaturas”, em livre tradução, demonstra que práticas agrícolas sustentáveis, que protejam os polinizadores e mitiguem riscos climáticos, podem garantir e até aumentar a produção global de cacau.


O estudo, realizado pela Universidade de Oxford, do Reino Unido, em colaboração com a Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), no Brasil, a Universidade de Westlake, na China, e a Universidade de Göttingen, na Alemanha, revela os riscos significativos das mudanças climáticas para a produção de cacau. O aumento da demanda global por essa commodity e a dependência financeira de milhões de agricultores levaram à expansão das plantações e à intensificação do cultivo, muitas vezes em detrimento da biodiversidade e da sustentabilidade a longo prazo. No entanto, os pesquisadores também identificaram soluções de manejo que podem tornar as lavouras mais resilientes ao clima e impulsionar a produtividade sem necessidade de desmatamento.


A pesquisa foi realizada em três dos principais países produtores de cacau: Brasil, Gana e Indonésia, que, juntos, respondem por 33% da produção global. No Brasil, os experimentos foram conduzidos no município de Ilhéus, sul da Bahia. Como metodologia, os cientistas aplicaram diferentes porcentagens de polinização manual em cacaueiros e compararam os resultados com árvores que mantiveram a polinização natural, realizada principalmente por insetos. Os dados revelaram que o aumento das taxas de polinização acima dos níveis atuais pode elevar a produtividade em até 20%, indicando que muitas plantações sofrem com polinização insuficiente, o que limita seu potencial produtivo. Além disso, nas áreas onde as temperaturas foram até 7ºC mais altas, observou-se uma redução de 20% a 31% na produção, destacando a vulnerabilidade das regiões produtoras aos impactos das mudanças climáticas.


O coautor do artigo, Dr. Acheampong Atta-Boateng, da Universidade de Oxford, explica que o cacau é polinizado por pequenos insetos, como maruins e tripes. “É surpreendente descobrir que, na maioria das vezes, a polinização natural simplesmente não é suficiente para atingir a produtividade máxima", afirma.


O aumento da temperatura do ambiente pode impactar na floração do cacaueiro e nas populações de polinizadores do cacauSegundo o Dr. Manuel Toledo-Hernández, cientista do Instituto Tecnológico Vale, “as altas temperaturas podem alterar o período de floração e encurtar sua duração, causando um descompasso com os polinizadores. Também poderiam desestabilizar as comunidades de visitantes das flores, favorecendo pragas que competem com os polinizadores pelos recursos florais.


Soluções baseadas na natureza

Para garantir a sustentabilidade da produção de cacau, os pesquisadores recomendam estratégias práticas para melhorar a polinização, como a manutenção da serapilheira e de biomassa no sub-bosque, preservação da matéria orgânica do solo, fornecimento de sombreamento moderado e redução do uso de produtos químicos agrícolas. Além de aumentar a abundância de polinizadores, essas práticas ajudam a regular a temperatura das lavouras e melhoram a saúde do solo, garantindo a resiliência das plantações a longo prazo. "Nosso estudo demonstra que métodos agrícolas sustentáveis podem melhorar significativamente a produção de cacau sem necessidade de expansão ou intensificação do cultivo. Ao adotar técnicas de agricultura resiliente ao clima e centradas na biodiversidade, o setor cacaueiro pode aumentar a produção e, ao mesmo tempo, proteger o sustento dos agricultores", destaca a Dra. Tonya Lander, primeira autora do estudo.


Conhecido como cabruca, o sistema de produção praticado no sul da Bahia consiste no cultivo de cacaueiros sob o dossel da Mata Atlântica, gerando impactos socioambientais positivos. “Além de favorecer os polinizadores, as cabrucas funcionam como refúgio para a extraordinária biodiversidade da região. Esse modelo é mantido principalmente por agricultores familiares e impulsionado por iniciativas de organizações sem fins lucrativos, como a Tabôa e o Instituto Arapyaú”, destaca o Dr. Mirco Solé, professor e cientista da UESC, que também colaborou com o estudo.

Mesmo com ambiente favorável, as cabrucas registram uma taxa média de polinização natural de apenas 12%. “Existem vários fatores para essas baixas taxas, um deles é sem dúvida a elevação das temperaturas. Mas é muito provável que também tenha a ver com o manejo das cabrucas. Por exemplo, árvores velhas, com pouca floração, e baixa resistência a insetos-pragas que podem estar competindo com os insetos polinizadores”, explica Toledo-Hernández, um dos responsáveis pela aplicação da pesquisa na Bahia. Ele ressalta, ainda, que a fertilização das flores do cacaueiro continua sendo uma área promissora para investimentos, tanto públicos quanto privados, especialmente no desenvolvimento de tecnologias acessíveis e de fácil aplicação para os produtores.

 via assessoria

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